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ResistĂȘncia
A obra âTorto Aradoâ, de Itamar Vieira JĂșnior, finalista do prĂȘmio Jabuti 2020, foi lançada pela Todavia em 2019. EstĂĄ dividida em trĂȘs partes, cada uma narrada por um personagem diferente.
A primeira parte, intitulada Fio de corte, Ă© contada por Bibiana e apresenta os personagens principais: as irmĂŁs (Bibiana e BelonĂsia), os pais (Zeca ChapĂ©u Grande e Salu) e a vĂł Donana, que moram na Fazenda Ăgua Negra, localizada na Chapada Diamantina, uma comunidade de negros descendentes de escravos, que vivem uma ilusĂŁo de liberdade.
A narrativa tem inĂcio com as irmĂŁs mexendo numa mala que pertencia a avĂł, onde encontram uma faca. Ao brincar, colocando o objeto na boca, as duas se cortam por acidente, sendo que uma delas arranca a prĂłpria lĂngua. As duas crescem muito prĂłximas, uma sendo a voz da outra atĂ© a chegada de um primo na fazenda.
Bibiana foge com o primo, Severo, em busca de uma vida melhor, pois os dois nĂŁo se conformam com a situação das famĂlias que trabalham sem receber nenhuma remuneração, em troca apenas de um lugar para morar e de uma pequena roça plantada no quintal.

BelonĂsia narra a segunda parte, denominada Torto Arado, na qual hĂĄ continuidade temporal da histĂłria, alĂ©m de alguns acontecimentos recontados aos olhos dela. Seu pai comunica que Tobias queria levĂĄ-la para morar com ele, assim BelonĂsia deixa a casa de seus pais para morar com Tobias. A relação se torna uma decepção desde o inĂcio, pois ele se mostra agressivo e passa a chegar sempre bĂȘbado em casa. Com o retorno de Bibiana e Severo para a fazenda criase uma tensĂŁo entre os donos da fazenda e a comunidade, pois os dois começam a conversar com todos, esclarecendo que eles eram quilombolas e que as terras onde viviam eram por direito deles.
A Ășltima parte, Rios de sangue, Ă© narrada por uma encantada* chamada Santa Rita Pesqueira que anda vagando sem rumo, jĂĄ que com a morte dos mais velhos as festas de JarĂȘ** estĂŁo esquecidas. A parte final vem preencher algumas lacunas da histĂłria, como os segredos guardados por Donana. O protagonismo feminino tambĂ©m estĂĄ presente, jĂĄ que as mulheres precisam ser fortes e batalhadoras para se tornarem donas dos seus destinos.
Uma obra encantadora, grandiosa e poética que traz reflexÔes de um Brasil que libertou, mas nunca apoiou os libertos.
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Um paĂs onde atĂ© hoje a disputa de terra afugenta e mata comunidades de povos tradicionais e ativistas, alĂ©m do preconceito e da invisibilidade dessas comunidades com a tentativa de apagamento da sua cultura, dos seus costumes e rituais.
Itamar aborda diversas temĂĄticas, como: violĂȘncia contra a mulher, quilombos, relaçÔes familiares, reforma agrĂĄria, escravidĂŁo, religiĂ”es afrobrasileiras. Apesar dos temas pesados, o autor conta a histĂłria de forma leve, sem deixar a narrativa cansativa, pelo contrĂĄrio, prendendo-nos ao enredo.
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âSobre a terra hĂĄ de viver sempre o mais forte.â
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*Nome que o autor denominou as entidades espirituais do JarĂȘ. **Ă uma religiĂŁo de origem africana, mais especificamente um candomblĂ© de caboclo, que existe exclusivamente em cidades do Parque Nacional da Chapada Diamantina.

IslĂąnia Castro
IslĂąnia Castro [@islaniacastro] BibliotecĂĄria, agente pastoral, leitora. Participa de projetos de compartilhamento de livros e incentivo a leitura.