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ESCRITA LIVRE

Procura-se-me

Já ouviu falar sobre mapas mentais? A ferramenta foi criada em 1970 pelo psicólogo britânico Tony Buzan e pode ser utilizada em diversos tipos de situações.

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Beatriz Cavalcante

Beatriz Cavalcante [@abeatrizcavalcante], nascida em Fortaleza/CE, é advogada, fascinada por música, pelo canto e pela literatura brasileira.

  Estou convencida de que viver é a maior aventura à qual se teve acesso até os tempos hodiernos. Juntam-se cortes e recortes, quedas e tropeços, solidão e solitude, rompimentos e rachaduras às alegrias rotineiras de um café tomado, de um encontro marcado, de um amor reconquistado. Longe de utopias acerca da felicidade, o que se tem, de fato, é um emaranhado de fatos que compõem essa vida de meu Deus.

  Rasgar-se para se remendar faz sentido em demasia quando o corte não é em si, aliás, quando não é em mim. Eu, acostumada que sou com a impessoalidade da terceira pessoa do singular, deparei-me, abruptamente, com cortes na mais tangível pessoalidade da primeira pessoa do singular, por meio dos quais eu deveria me remendar.

  Uso o “por meio dos quais” porque, efetivamente, eles eram um caminho, não, necessariamente, a correção em si.

  Devo, com isso, dizer que, no ritmo frenético da então vindoura nova década, o mundo parado, forçosamente parado, fez-me parar e parar diante de mim mesma. Fi-lo, obrigatoriamente, obrigada.

  Se se quisesse saber em que momento deparei-me comigo mesma, porém, nos tempos de outrora, ter-se-ia uma rápida e clara resposta: logo cedo, aos cinco anos, quando, no escorregador da escolinha em que eu estudava, uma colega, ávida por brincadeira, proferiu um ressonante “é eu. Agora, é eu”, para a descida rápida e fugaz em um escorregador. Eu, possuidora de meia década de idade, porém, não me contive e retifiquei, de modo imediato, aquela frase, proferindo um “sou eu. Agora, sou eu”. Minha colega, cujo objetivo era se divertir, brigou comigo, alegando que, na verdade, eu já havia brincado.

  Naquela situação, senti-me uma criança inteligente, boa no Português, inclusive. Ri, para mim mesma, de mim mesma.

  Hoje, contudo, sei que, ali, não fui inteligente. Eu, simplesmente, não quis ser feliz. Não preferi ter razão, uma vez que não argumentei correções ortográficas, em contrapartida, porém, eu não quis ser feliz.

  É que, agora, com quase três décadas de existência, finalmente, comecei a entender que ser feliz não depende da perfeição de uma vida retilínea, tampouco de regras, muitas vezes amorais, a serem, moralmente, cumpridas, sequer de regras de um formal Português em informais tentativas de vivência das mais diversas formas de felicidade.

  As gramas verdes do jardim do vizinho, a aprovação em um concurso público de um familiar, a viagem ao exterior do colega de trabalho, o casamento do companheiro dos tempos escolares: tudo isso pode ser o tudo de outrem e, paradoxalmente, nada para mim ou para ti.

  Aliás, no interstício de intensos e de pavorosos meses, deparei-me com pessoas, nas quais, por oportuno, incluo-me, cujos pedidos, físicos e metafísicos, eram, somente, de saúde e de cura.

  Isolei-me, então, de amigos, de familiares e de conhecidos e, intensamente, aproximei-me de mim, da menina, com cuja experiência no escorregador, começava, malgrado paulatinamente, a perceber que a mulher com quem lidava estava, na verdade, a descer em um imenso e, talvez, perene, necessário e ininterrupto tobogã de autoconhecimento.

  Não se trata, porém, de corrida. Seria, inclusive, injusto correr de mim mesma ou comigo mesma, uma vez que, finalmente, passei a entender, cara Clarice, que não mais quero não aproveitar nada e, ilogicamente, empós, sentir saudade. Quero, pois, reconhecer que há sabor nesse hercúleo labor.

  Para ser feliz, tenho pressa. Para viver, não. Afinal, estou convencida de que viver é a maior aventura à qual se teve acesso até os tempos hodiernos.

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