ESCRITA LIVRE
Maya e a Janela: o que será que ela ver nela 2?
Leonardo Costa
Leonardo Costa [@leonardo.costa_arte] Ator-bonequeiro. Graduado em filosofia pela UFC. Poeta desde a tenra idade. Artista multifacetado de produções culturais que acabou juntando muita arte com a Nayara pra produzir a Maya e dar outra cor pra esse mundo. Um milagre a cada dia... e, todo dia uma novidade.
Iníciodo terceiro trimestre.
Tristenotíciaquequebrouemedesaboupordentro eporfora.
Malu não tinha mais batimentos cardíacos. Mesmo com a confirmação de uma segunda opinião era isso mesmo que vinha a acontecer. Eu, recém feito pai, esperançoso por receber as duas vidas em minhas mãos, já perdia umapor entre meus dedos.
E a recordação de um sonho em que a pegava nos braços e ela, mesmo falando comigo, estava envolta emumlago escuro.
Talvez já tenha a comunicação da mesma de que não seria agora esse encontro. Isso tudo a 5 dias do meu aniversário... Que presente a vida estava me dando.
Muitas lágrimas rolaram e gritos contidos dentro de um peito que se achava tão forte, mas que descobriu que tinha pernas bambas demais e pediu arrego, socorro, ajuda... Foi o dia que seria o chá das duas.
Num dia de comemorações tudo veio abaixo.
E todo dia eu recordo das lágrimas e da dor de serjá pai órfão de filha antes mesmode saberdelano colo.
Em minha crença religiosa recebo a notícia de que havia uma questão de saúde que, se viessem ambas seria muito perigoso, daí Malu decidiu abrir mão para que Maya viesse bem. E Maya, que dominava ¾ da placenta e já apresentava um certo descontrole de umasquestões, equilibrouseusnúmeros e semanteve saudável e vívidapra vir.
A explicação biológica foi que feminicídioa questão chamada de Transfusão feto-fetal afetou Malu, que detinha apenas ¼ da placenta e, por isso, tinha um certo limite de nutrientes para se desenvolver. Nesse caso foi uma questão aguda de um dia pro outro. Silenciosamente o coraçãodelaparou.
Por vários exames de ultrassom da rotina que se seguia a mesma eu não queria filmar mais... Não conseguia filmar mais... pois sabia que iria dar de olhos com o corpinho ainda preservado alidentro, sem vida.
Ainda tenho muitas questões não resolvidas sobre isso que me afetam muito, mas ao menos tenho o atual conforto da serelepe que deu certo de vir e veio muito bem: Maya veio no dia 21 de fevereiro de 2022. Eu queria que fosse no dia 22 por ser palíndromo, mas meu desejo foi barrado de cara por conta da saúde de Maya ser preservada. Tentamosque fossedemanhã,mas sóno fimda tardequedeu certode sair. E eu estava lá, junto.Empolgado e temeroso. Mas firme comoumbambuemtempestadede vento.
Ela abriu os olhinhos pra mim e eu abri meu coração que já não aguentava de tanto esperar.
Infelizmente tive de lidar com a questão do corpinho de Malu, assunto que eu já tinha me colocado mais resistente pra tocar, mas não tanto para revisitar como tive de revisitar.
O hospital, que já não tinha a sabedoria de buscar a ficha da minha esposa, me veio dar apenas a notícia do falecimento da Malu. A moça do setor de assistência social nem sabia da existência da Maya. Daí tive de reviver toda a dor de não poder ter ela nos meus braços. Isso por conta de que já não tinha mais nada reconhecível do corpo dela. O organismo já tinha absorvido muita coisa e como elas estavam em placentas separadas a gestação seguiu em ordem até o fim e Maya me chegou aos braços depois daquele dia tão turbulento entre alegrias edores.
E daqui pra frente será outro universo que irei vivenciar junto desse ser que tanto me sacudiueque tanto vai sacudir o meu eixo de vida.