FICA ZEN
Biblioterapia: uma experiência de leitura com valor terapêutico
Francisco das Chagas
Francisco das Chagas [@franciscodaschagasqueiroz] Mestre em Climatologia, Especialista em Pesquisa Científica, Bacharel em Administração, Biblioteconomia e estudante de Teologia.
Nesses dois últimos anos vivemos um período caracterizado pela pandemia do Coronavírus. O medo provocado pela Covid-19 trouxe repercussões diversas como o medo de morrer, medo de que alguém morra, medo de adoecer e medo de contaminar alguém. Durante esse tempo vivemos isolados, longe do convívio familiar e social, utilizando máscaras, álcool e fugindo de aglomerações. Nessa realidade, tivemos que conciliar o trabalho remoto com a família e os afazeres domésticos, as aulas presenciais com as aulas online. As reuniões de família foram ressignificadas como aniversários, casamentos, batizados, viagens etc. O luto provocado pelas inúmeras perdas deixou um vazio e um sentimento de impotência diante da perspectiva de morte; muitos não tiveram a oportunidade de enterrar seus familiares.
A experiência do isolamento fez do livro um grande amigo durante esse tempo de crise. Várias pessoas redescobriram o prazer de ler. O consumo de livros pela internet aumentou consideravelmente. A experiência da leitura trouxe alívio para quem ficou em casa. O livro, companheiro de todas as horas, possui um valor afetivo. Esse vínculo com os livros é tão forte que algumas famílias só desapegam do acervo para as bibliotecas quando morre o dono da coleção.
As bibliotecas foram fechadas durante o lockdown. Elas funcionam como espaços de incentivo e difusão da leitura e atuam como centros de documentação e informação, com fomento à pesquisa; também desenvolvem atividades culturais, fazendo conexão com outras artes: contação de histórias, fantoches, música, teatro, cinema etc.
Os bibliotecários podem atuar em diversas áreas, dentre elas a saúde, desenvolvendo suas habilidades para o avanço do tratamento do paciente. As instituições de saúde podem ter uma biblioteca ou espaço de compartilhamento de leitura. E o que acontece quando o bibliotecário, de posse dos livros, vai ao encontro dos pacientes? Acontece um fenômeno chamado Biblioterapia.
Apalavra Biblioterapia foi originada de dois termos gregos biblion-livro, e therapeia- tratamento; portanto,Biblioterapia é o tratamento terapêutico através da leitura.
Segundo o filósofo Aristóteles, os espetáculos de tragédia e comédia na Grécia Antiga produziam um efeito no espectador que purificava as emoções: ora alegria, ora piedade. A palavra catarsis significa a “limpeza da alma”, isto é, a “catarse é a purificação das almas através da descarga emocional provocada por um drama”.
A Biblioterapia nasce da relação da leitura, leitor e terapeuta.
O diálogo produzido por esta relação pode contribuir para a saída de um estado de desânimo para um estado de ânimo, pela ação do efeito catártico. Ela atua como coadjuvante, associada a outras especialidades médicas no tratamento do paciente. Aborda o valor terapêutico da leitura de textos e imagens produzidas pela análise projetiva de desenhos.
O bibliotecário integrado a uma equipe de saúde pode atuar na mediação da leitura de textos verbais e não verbais, com o objetivo de deslocar a tensão da dor para o mundo da literatura. A leitura transporta o paciente para as narrativas dos personagens que também passam por enfrentamentos e superação de problemas. O paciente que passa por um processo terapêutico de catarse desloca sua atenção da dor para a arte literária.
Para exercer a Biblioterapia a formação do bibliotecário exige conhecimento introdutório nas técnicas, métodos e abordagens da Psicologia. O aluno pode cursar Psicologia Social I e II como disciplinas optativas, mediante solicitação no departamento do curso de Psicologia da UFC; também é recomendado se submeter a psicoterapia, para que o profissional saiba lidar com as emoções e sentimentos dos pacientes.
Na prática da Biblioterapia deve-se avaliar a disposição do paciente para dar sentido ao sofrimento, observa-se o humor, bem como a espontaneidade da fala do leitor, numa perspectiva de aceitação e enfrentamento do momento da crise. Essa disposição, disparada pelo texto, deve contextualizar suas emoções numa perspectiva de avançar no tratamento. O paciente nem sempre está disponível para a leitura, nem para conversar, por isso é preciso respeitar o silêncio e a espontaneidade dele. O progresso exige paciência, pode parecer lento em alguns momentos, com subidas e descidas; à medida que os encontros vão acontecendo, o vínculo da leitura vai se fortalecendo, as páginas vão passando mais rápidas, até o momento em que o leitor pede outro livro.
A história da Biblioterapia no estado do Ceará passa pelo trabalho missionário da Profa. Virginia Bentes Pinto pertencente ao Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará. Ela atuou em projetos de extensão de Biblioterapia como coadjuvante no tratamento do câncer infantil no Hospital Infantil Albert Sabin, no ano 2000, e apresentou no CBBD o trabalho “Práticas leitoras da Biblioterapia no abrigo SOS - Criança”, em 2001, com publicações de artigos. Sua obra continua ativa na divulgação de matérias sobre o tema em periódicos, bem como na orientação de alunos na produção de monografias.
Uma das vantagens da Biblioterapia é que não há contraindicação, nem depende da idade dos leitores e, mesmo que o leitor não saiba ler, a leitura pode ser ouvida, quando compartilhada por alguém mais próximo, de modo atencioso. Vale ressaltar que a Biblioterapia não é “a leitura de livros de autoajuda”; sua proposta é motivar as possibilidades do cuidado com o paciente por meio da leitura em situação de crise em ambientes institucionalizados, como abrigo para menor ou hospital.
A Biblioterapia é um ramo da Biblioteconomia, porém essa disciplina não é ofertada no curso da UFC desde seu funcionamento, em 1965. Mesmo assim, os alunos e professores não deixam de produzir monografias sobre o tema.
Quer saber mais sobre o assunto? Há um amplo material disponível na internet, procure fontes seguras e explore sua curiosidade!