CINECLUBE
AS FIVE
Um passo à revolução amorosa LGBT
Em As Five, série original Globoplay, cinco amigas se reencontram após seis anos afastadas quando estão entrando na vida adulta. Todas são encurraladas em conflitos de naturezas distintas, embora comuns a uma geração descrente com a economia, a política e a vida afetiva.
O grupo se conheceu e teve o início da sua história desenvolvida em Malhação: Viva a Diferença, sendo As Five a continuação direta da série juvenil. Concebida por Kao Hamburguer e dirigida por Paulo Silvestrini, Viva a Diferença venceu o Emmy Kids Internacional em 2018, na cerimônia realizada em Cannes, na França.
Série: As Five, (Brasil, 2020)
Direção: Dainara Toffoli Rafael Miranda Natalia Warth José Eduardo Belmonte
Roteiro: Vitor Brandt Jasmim Tenucci Luna Grimberg Francine Barbosa Ludmila Naves .
Elenco: Ana Hikari Gabriela Medvedovski Daphne Bozaski Manoela Aliperti Heslaine Vieira .
Onde assistir: Globoplay
Gênero: Drama
Na continuação, acompanhamos a vida turbulenta de jovens adultas que acompanhamos crescendo e nutrindo seus sonhos agora, a maioria deles, esquecidos em memórias dolorosas de caminhos que não puderam ser seguidos. À exemplo, Keyla tinha o sonho artístico de seguir carreira musical, e jamais pôde investir em trilhar esse caminho por priorizar especialmente a criação de seu filho, Tonico, como mãe solo na adolescência.
Inseguranças como a de sonhos não realizados são deixadas às claras em cenas que abordam também a falta de comunicação entre pessoas que costumavam compartilhar seus sentimentos entre si. Apesar de terem se conhecido uma vez, a vida lhes fez tornar pessoas diferentes, com visões diferentes, o que por conseguinte causa o estranhamento de que suas conversas nunca levam em consideração quem estas realmente são agora, e como se encontram no mundo atual.
Dito isto, é importante destacar que sempre foi feito um recorte racial e social entre as cinco mulheres, explorando bem as diferenças que marcam suas vidas, como é a proposta da temporada de Malhação. Isto também é continuado no desenvolvimento adulto de Benedita, apelidada como Benê, uma personagem autista que descobre novas facetas da sua sexualidade em uma jornada de autoconhecimento em As Five.
Para Lica, que durante a adolescência encarou o privilégio branco que vivencia também através de ter sido sustentada por uma família classe média alta, ao longo dos episódios foi confrontada em seus posicionamentos uma vez elitistas e tornou-se uma das personagens mais politizadas da série, além de que essencialmente era uma personagem diversificada por representar uma garota sáfica em um relacionamento homoafetivo, os traumas relacionados a sua aceitação pessoal e a sua criação por uma família desestruturada. Muito do que foi abordado e desenvolvido sobre essas questões foi engavetado em As Five e resumido à uma confusão mental atrelada à personagem, que atualmente se via em um estado de vida acomodado e inconsequente.
Isto é, tanto em ficção quanto em realidade, é necessário analisar uma experiência de vida pessoal como um todo e todos os acontecimentos que a afetam atualmente ou afetaram no passado para que possamos conhecer a fundo a maneira de ser diferente de uma pessoa. A sua trajetória é diariamente atravessada por atitudes além do seu controle, que modificam a sua perspectiva de mundo e implicam em suas atitudes futuras, baseando-se no que as anteriores resultaram subjetivamente.
Sendo assim, as incertezas da vida adulta apresentadas em As Five foram iniciadas em Malhação: Viva a Diferença tal como inseguranças são construídas ao longo do tempo por estarem ligadas a uma perspectiva de mundo isolada, dentro de um recorte social e racial de como isto é influenciado pela realidade em que se vive. As cinco mulheres deixam suas expectativas para a vida adulta frustradas com novas responsabilidades, mas também buscar manterem-se ligadas a sua essência e tudo aquilo que lhes formaram enquanto indivíduo, o que significa que a vaga lembrança de um passado em que estiveram reunidas com felicidade pode servir de gatilho mental para um universo repleto de ideias, sonhos e esperanças interrompidos.
É interessante perceber que na série também é levantada a questão de como seus círculos familiares respondem às suas identidades, seja na forma intolerante de uma família conservadora tradicional como a de Tina, ou na forma acolhedora de uma família protagonizada pelo matriarcado, como a de Ellen. A complexidade da aceitação que essas personagens buscam em seus lares se deve também às suas particularidades, e da maneira como se enxergam no mundo.
Por fim, a relação das cinco amigas representa a pluralidade brasileira de jovens adultas resgatando suas motivações da juventude ou, se necessário, ressignificando essas motivações para que sejam felizes, com uma sensibilidade memorável para tratar de temas delicados envolvendo questões relevantes como saúde mental, gravidez na adolescência, vivência LGBTQIA+ e luto.