ARTE E DIVERSIDADE
A Arte Drag em Cena
"Vou te falar o que é Drag: borrar o conceito de gênero criando arte. E arte é sempre performance" Bob The Drag Queen
Nonato Ribeiro
Nonato Ribeiro [@nonatobiblio] Bibliotecário, leitor, nordestino e gay! Doutor em Ciência da Informação com interesse nas temáticas Informação e Diversidade sexual, Competência em Informação e Bibliotecas Universitárias.
Há alguns anos os cenários da arte, mídia, cultura e entretenimento têm presenciado o aumento da visibilidade da arte drag, alavancando um fenômeno multimidiático de ascensão do público LGBTQIA+.
A cultura drag tem uma origem que remonta ao teatro na Grécia antiga (500 a. C.), passando pelo teatro shakespereano (século XVI). Em uma época que somente homens podiam subir ao palco para apresentações, as personagens mulheres eram interpretadas por atores vestidos com roupas e maquiagens femininas. Surge a figura da Drag Queen, cujo nome, alguns apontam que deriva da expressão “Dressed Resembling a Girl” (vestido como uma garota), e outros falam que tem origem no verbo em inglês “to drag” (arrastar), se referindo aos longos vestidos femininos que arrastavam pelos palcos.
Na contemporaneidade, a partir dos anos 60, a expressão artística adentrou no cenário LGBTQIA+, nos bares, clubes e guetos periféricos, onde as drag queens podiam se “montar”, usando roupas exóticas e coloridas, perucas volumosas e maquiagem carregada, como diversão e trabalho. Faziam apresentações de dança e dublagem de suas divas da música e do cinema.
Nos anos 80, a disseminação da AIDS acabou restringindo a arte drag ao nicho periférico, incluindo também os Balls, competições de desfile, dança, moda e dublagens da cena underground LGBTQIA+ dos EUA.
A partir dos anos 90 a arte drag ganha visibilidade com o lançamento da música Vogue de Madonna (1990), o aparecimento da drag queen americana RuPaul na música, tv e moda e o lançamento do filme Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). E mais recentemente, temos presenciado a popularidade exponencial do fenômeno da arte drag no mundo, liderado por personalidades como RuPaul e Pabllo Vittar.
RuPaul voltou aos holofotes da cultura pop em 2009, quando lançou a primeira temporada do reality show RuPaul's Drag Race. Hoje com doze temporadas regulares e cinco All Stars, o programa tem sido premiadíssimo e alcança uma grande audiência no mundo todo, tornando-se uma vitrine para muitas drag queens, que tem desmistificado vários paradigmas relativos à arte drag e também discutindo temas relevantes como preconceito, AIDS, racismo, drogas, suicídio, dentre outros. A franquia tem ganhado versões em outros países, como Inglaterra, Canadá, Tailândia e Holanda, especulando-se ainda o lançamento da versão brasileira, que abriga uma grande comunidade de fãs do show.
Destaca-se também a diversidade entre as participantes do reality, com queens pageants, big girls, fashion girls, dancer queens, singers, fishy queens, comedy queens, camps, shady queens, clubbers, impersonators, dark queens, apontando para todo o talento existente na arte drag, indo além de maquiagens, perucas e roupas chamativas. Algumas participantes do show, como Shangela, Bob The Drag Queen, Willam, Alaska, Adore Delano, Alyssa Edwards, têm participado de turnês internacionais, migrando para vários segmentos da cultura pop, como televisão, cinema, música, teatro, dança e mídias sociais.
No Brasil, passando por alguns momentos de aparição na televisão que por vezes caiam na ridicularização, as drag queens nacionais tomavam a dianteira na luta por direitos, como em São Paulo, onde lideraram a organização da primeira Parada do Orgulho LGBTQIA+, em 1997.
Atualmente, drags queens como Pabllo Vittar e Gloria Groove têm puxado um movimento de drag music no país, com casas de shows lotadas, participação em festivais importantes, levando multidões em blocos de carnaval e com milhões de reproduções nos serviços de streaming de música e vídeo.
No cenário local fortalezense, destaca-se os concursos de drag queens e transformistas, que seguem resistindo no cotidiano da cidade, em seus bairros e nas boates, inclusive com apoio das Coordenadorias LGBTQIA+ estadual e municipal. O coletivo artístico As Travestidas, liderado pelo ator Silvero Pereira e sua Gisele Almodôvar, tem atuado em Fortaleza e ganhado projeção em todo o cenário nacional com os premiados espetáculos teatral BR-Trans e Quem tem medo de travesti?, promovendo também várias outras ações de arte e cultura no país, como oficinas, festas, bloco de carnaval, mostras, festivais e exposições.
As mulheres também têm espaço no movimento, questionando as fronteiras de gênero, sejam reproduzindo a figura feminina enquanto drag queens, ou os estereótipos masculinos como drag kings.
Todo esse movimento da arte drag tem influenciado a cultura pop atual, com suas artistas em alta na televisão e internet, proporcionando visibilidade em um cenário político-social de retrocessos e conservadorismo, e fazendo a sociedade refletir sobre os conceitos de gênero, sexualidade, corpo e diversidade.