ALÉM DOS MUROS
DE LIVRO EM LIVRO SE CONSTRÓI UMA COMUNIDADE LEITORA
Andréa Freitas
Andréa Freitas Educadora Social e pós graduada em Serviço Social e Educação. Voluntária da Pastoral do Menor.
Diana Rocha
Diana Rocha Pedagoga, professora da Rede Municipal de Fortaleza. Voluntária da Pastoral do Menor.
Islânia Castro
Islânia Castro Bibliotecária, agente pastoral, leitora. Participa de projetos de compartilhamento de livros e incentivo a leitura.
A Igreja Católica do Brasil em meados da década de 60 direciona o seu olhar para a realidade social do país, ao iniciar um processo de evangelização que denuncia e luta por uma sociedade democrática, humana e justa atuando contra as desigualdades sociais dentro e fora da Igreja. O que esse enredo tem haver com a Pastoral do Menor, motivo desse artigo? Em que esse contexto dialoga com a identidade dos trabalhos desenvolvidos pela mesma nos dias de hoje?
De fato, o convite que nos foi feito, trata-se da apresentação dos trabalhos sócio-pedagógicos desenvolvidos pela Pastoral do Menor no âmbito de seu grupo de base “Caminhando para o Futuro”, mas é impossível iniciar esse relato sem retomar a origem dessa Organização no Brasil.
É com essa essência que o grupo de base da Pastoral do Menor “Caminhando para o Futuro”, atua na comunidade da Granja Portugal há cerca de 25 anos, atendendo por meio de oficinas sócio-educativas, arte e esporte. Com muitos anos de atuação, poucos recursos e estando inserida em uma comunidade de periferia situada em um território onde os índices de violência urbana, drogas, desemprego só se agravam, a atuação junto a esse público cada dia torna-se mais desafiador, sobretudo quando encarado de frente uma pandemia e posteriormente suas consequências.
Mas, como a fonte de transformação muitas vezes encontra-se dentro de cada um, foi no período da pandemia de Covid-19 onde nos deparamos sem nenhuma condição de atendimento das crianças e adolescentes que enxergamos no livro um instrumento terapêutico, inclusivo e sócio afetivo sendo neste momento o projeto de leitura o elo de ligação entre a Pastoral e as famílias e suas crianças que estavam recolhidas.
Para compreender o percurso até chegar a essa ação, será apresentado a seguir os caminhos trilhados pelo projeto de leitura da Pastoral do Menor e que posteriormente tornou-se a Biblioteca Comunitária Raimundo Ribamar do Nascimento, atuando no âmbito das ações socioeducativas da Pastoral do Menor na Granja Portugal e abrindo as portas para o acesso da comunidade da Granja Portugal ao Livro, a Leitura e a Literatura.
Já em 2009 nasce o espaço de leitura para atender a demanda de crianças e adolescentes iletrados atendidos pelo grupo em outras oficinas, passando a ofertar a esse público ações de incentivo à leitura e reforço escolar. Era um trabalho de formiguinha, limitando-se a atividades pontuais, através de resultados tímidos se utilizando de subsídios como gincanas literárias, jogos literários visando o estímulo à leitura para em média 30 semanalmente.
Tais ações aconteciam e acontece pelo suporte de uma equipe composta de voluntários nas áreas de biblioteconomia, pedagogia e agentes de pastorais que buscaram ampliar o universo leitor das crianças, haja vista na comunidade não haver nenhuma biblioteca e/ou projeto com cunho literário, vislumbrando que através do acesso à leitura, essas crianças e a própria comunidade poderiam reescrever sua história.
Visando fortalecer esse trabalho, em 2019, firmou-se parceria com o Projeto Arte na Biblioteca, desenvolvido pela Biblioteca Central do Campus do Pici da Universidade Federal do Ceará, e passamos a desenvolver atividades de empréstimos de livros, livros livres, oficinas de leitura e cine clube pastoral. As atividades buscam incentivar crianças, adolescentes e familiares à leitura e dar acesso ao livro para toda comunidade.
Ler não dá sono, dá sonhos.
Com o trabalho já estruturado e fortalecido com o Projeto Livros Livres, o Espaço de Leitura “Incentivo a Leitura, Progresso na Escola” conseguia chegar às crianças e adolescentes de forma mais substancial, lúdica e atrativa disseminando a leitura em seu cotidiano.
Com essas ações em parceria com a Biblioteca Central do Campus do Pici da Universidade Federal do Ceará, o Grupo Caminhando para o Futuro - Pastoral do Menor foi construindo ações consistentes de sua grade de trabalho para que a leitura ocupasse lugar nas formações, no entretenimento e nas aprendizagens construídas junto às suas crianças e adolescentes, sendo freada no ano de 2020, em virtude da pandemia de covid.
O advento da pandemia nos proporcionou um novo jeito de chegarmos às crianças, adolescentes e famílias, com a idealização do projeto Sacola Literária Delivery, onde eram levados aos leitores não apenas livros, mas instrumentos de esperança diante de uma realidade tão adversa ao qual estavam vivendo. Essa ação consta da disponibilidade de um cardápio literário enviado através de whatsapp para as famílias que solicitavam os títulos e recebiam em suas residências. Ao longo desses 3 anos a Sacola Literária disponibilizou mais de 600 títulos, proporcionando o acesso ao livro que traz inúmeros benefícios para uma comunidade vulnerável socialmente como a Granja Portugal.
Esta ação deu uma injeção de ânimo aos voluntários da PAMEN que mesmo diante dos obstáculos surgidos com o distanciamento social, a perda de um dos seus membros, a percepção das situações de abandono que encontravam-se as famílias atendidas, se reinventaram construindo um canal que possibilitou às crianças, adolescentes e suas famílias a criação de um universo paralelo a tudo que estavam vivendo, podendo assim verem a vida com uma nova ótica.
O retorno das atividades aconteceu de forma parcial em 2021, durante o segundo semestre, período também que foi idealizado uma nova empreitada “Geladeira Literária” que tem o objetivo de compartilhar livros, dando acesso agora a toda a comunidade a um equipamento que doa, recebe e principalmente dissemina saber através de livros, essa ação já compartilhou 679 títulos e tem como público mais presente as crianças.
E por quê o trabalho de leitura nas ações de uma pastoral social?
Antônio Cândido defendia a literatura como direito humano básico, assim como a alimentação, a moradia, saúde, educação, então a implementação de uma Biblioteca Comunitária no bairro da Granja Portugal com uma população em média de 43.000 pessoas com pouco suporte do poder público, passa a ser um grande marco para a vida dos moradores dessa comunidade, sendo percebido através dos relatos a seguir:
“A sacola literária no momento para meus filhos que são pré adolescente funciona como uma terapia, drena toda energia dessa fase da vida bem complicada, agradeço a Deus todos os dias por essa paixão deles por leitura, assim meu controle é maior sobre o que estão lendo e fazendo. então para mim e meus filhos ela é muito importante. Tem que continuar sim em 2022/2023/2024/.... Enfim sempre.”
Meyre
“Os livros são sempre entregues no prazo, e as escolhas são diversificadas e sempre tem livros muito bons.” Nicoly
“A sacola literária é uma opção de lazer e entretenimento com as mais divertidas aventuras que se vive nas páginas de um livro, esses projetos são nota 1000.000.”
Jonas Filho
“Sou muito fã da sacola e de qualquer projeto que envolva leituras, se for gibi então estou dentro. Amo a sacola literária.”
Jhonatan
Considera-se, portanto que de um projeto de leitura, hoje a Pastoral do Menor na Granja Portugal construiu uma biblioteca comunitária que faz com que o livro passe a ser presença ativa na vida das crianças, adolescentes e famílias atendidas pelo Grupo Caminhando para o Futuro e também no cotidiano da vida Pastoral através da Geladeira Literária acessadas pelos fiéis antes e depois das missas, nas ações da sacola literária delivery que fez chegar até os moradores da Granja Portugal atuantes ou não na Igreja, bem como nos bairros adjacentes, como Bom Sucesso, Bom Jardim, Granja Lisboa e Conjunto Ceará.
Sabemos que ainda temos muito a trilhar, uma vez que o público atendido é oriundo de uma comunidade não leitora, de escolas com poucas iniciativas de incentivo à leitura por prazer e de uma sociedade classista que não permite que pessoas em situação de vulnerabilidade tenham acesso ao livro e a literatura.
Mas, já são observados frutos deste trabalho, quando ao final das atividades da PAMEN aos sábados às crianças e adolescentes, chegam na biblioteca pedindo sugestão de livros para levarem para suas casas, adolescentes de outras ações pastorais aguardam ansiosas a abertura da biblioteca e moradores da comunidade nos procuram para dicas de livros, busca de empréstimos para distintas situações, comprovando assim que estamos contribuindo para uma sociedade mais leitora, pois o cidadão que lê amplia seu modo de ver e sentir o mundo.
De forma geral, observa-se que o trabalho desta pastoral social devolve a dignidade aos moradores da periferia quando promovem acesso a informação, ao entretenimento e a cultura literária, estimulando à leitura, a formação de mediadores de leitura, a alfabetização e o letramento, além de ir construindo uma corrente de oportunidades que interliga o social, o acadêmico, o religioso e o humano.