ALÉM DOS MUROS
SEMPRE FOMOS MODERNOS!
O “Apocalips” , como gravou Walderedo na matriz de umburana, é próspero! A peste, a fome, a guerra e a morte, seus quatro cavaleiros, cavalgam pelo mundo montados em tanques, jatos ultrahipersupersônicos, navios, mísseis, drones e aerossóis; sete milhões de anjos-influencers com seus sete milhões de biscoitostrombetas-likes profetizam o fim-do-mundo, sem messias; só os falsos e suas fake news. — Urgência! Esgoela-se o planeta: as águas, o ar, as florestas, os bichos e as gentes. A catástrofe, a devastação, a ruína; a miséria em escala global; a migração compulsória, os campos de refugiados; o genocício, o extermínio, as milícias, o nazifascismo; o ódio, o preconceito, a exclusão, a violência contra mulheres, pessoas LGBTQIA+, negros, indígenas, estrangeiros, portadores de deficiência, minorias as mais diversas; o fundamentalismo religioso e político; o terrorismo… A que outro lugar, senão ao presente distópico, poderia ter-nos conduzido o projeto eurocêntrico, colonizador, imperialista, patriarcal, machista, branco, antropcêntrico e especista da modernidade e sua racionalidade tecno-instrumental, seu pensamento maquínico, sua sanha territorialista/nacionalista? A “proliferação dos híbridos” no mundo contemporâneo, apontada por Latour como sintoma do fracasso do projeto modernizador de cisão absoluta entre natureza e cultura e de que, talvez, jamais tenhamos sido modernos atesta, contrariamente, sua única forma de realização possível; sua derrocada é, por assim dizer, seu triunfo. Sempre fomos modernos, Latour!
Antonio Wellington
Antonio Wellington de Oliveira Junior [@tutunhooficial] Professor Associado III do Instituto de Cultura e Arte-ICA-UFC onde leciona nos cursos de Publicidade e Propaganda e no Programa de Pós- Graduação em Artes PPGARTES-UFC. É Bacharel em Comunicação SocialJornalismo pela Universidade Federal do Ceará - UFC (1992), Mestre (1997) e Doutor (2001) em Comunicação e Semiótica pelo Programa de Estudos Pós- Graduados em Comunicação e SemióticaCOS da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Realizou estágio Pós-Doutoral em Artes no Departamento de Comunicação e Artes - DeCA da Universidade de Aveiro - UA. É pesquisador ligado ao Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura - ID+ (Portugal) e líder do Laboratório de Investigação em Corpo, Comunicação e Arte - LICCA, registrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq. Artista visual e performer. Tem experiência nas áreas de Comunicação e de Artes, com ênfase em performance, artes visuais, teorias, técnicas, processos e métodos de criação artística; teorias da comunicação, semiótica, glossolalia e religião; cultura tradicional popular, patrimônio cultural imaterial.
Eliezer Nogueira do Nascimento
Eliezer Nogueira do Nascimento Júnior [@elieezr] Doutor em Design pelo Programa de Pósgraduação em Design da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ESDI/UERJ (2016-2020), com bolsa DSC - Doutorado, FAPERJ. Mestre em Design pela Universidade de Aveiro, UA, Portugal (2013). Atualmente, realiza estágio PósDoutoral em Artes no Departamento de Comunicação e Artes - DeCA, da Universidade de Aveiro. É bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Ceará, UFC (2010). Integra o Laboratório de Investigação em Corpo, Comunicação e Arte - LICCA/UFC, registrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Tem experiência nas áreas de Design, Artes e Comunicação, com ênfase nas relações entre design grafico e o artesanato, expografia e curadoria, performance e educação.
“Pra começar, quem vai colar os tais caquinhos do velho mundo? Sei lá” … A cantora pop pergunta e duvida que haja quem… Talvez, ao sujeito contra-heróico, anti-genial e nunca santo, ao qualquer , caiba a bricolagem do tempo, de reedição , trabalho de sísifo, aparentemente; mas, antes e sempre, um ato de fé, de resistência, de luta, de imaginação, de reafirmação da vida e de busca pela justiça e pela liberdade: seguimos modernos!
“Só a antropofagia nos une!” : é a lição secular da geração modernista de 1922. Urge cumprir nossa vocação ancestral caeté-tupinambá: comer o outro - nesse caso, o Bispo, o colonizador -, tornar-se ele, mais que ele, mais que o leão - nesse caso, o Sardinha - que é feito de carneiros assimilados : “Tupy, or not Tupy that is the question” . E quem come o moderno vira o quê: ultra-contra-anti-meta-pósmoderno, contemporâneo? Muito além disso: moderno, mais ainda. Não se tratará de fabular o futuro, arquitetar de novo uma utopia (anteprojeto de distopia!), mas de operar já, no presente, o desejado. “Ai que preguiça!”
“A alegria [molecagem ] é a prova dos nove” . O humor será o Pão - o amassado no Java -, porque “o humor não é resignado, mas rebelde”, é “libertador”, “grande” e “elevado”; uma afirmação contra a crueldade . Uma vaia aguda e estendida - haveria algo mais moderno? - será o berro gasguito de convocação e nosso canto de trabalho.
MAUC, ALDEMIR, BANDEIRA, UM CEARÁ MODERNO EM PALAVRAS E IMAGENS!
A Universidade Federal do Ceará-UFC e o MAUC são dois agentes basilares de um Ceará moderno, inegavelmente. Encerrando as atividades dos 60 anos de fundação do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará-MAUC, “Sempre fomos modernos” propõe um olhar crítico sobre a modernidade cotejando palavra (logos) e imagem (ícone), dois dos mais importantes dispositivos modernizadores da civilização ocidental.
Apocalips (sic), antropofagia, liberdade, máquina, nacional, palavra, sujeito, utopia, vaia, vida são motes que se desdobram em outros exponencialmente: fim-do-mundo, urgência, tropical, identidade, festa, luta., distopia, desenho, série, etc... um glossário pilhado e inacabado da modernidade. As obras/images são exclusivamente do acervo do MAUC, expostas sob uma ótica curatorial que, sem romper absolutamente com a memória expográfica do museu, mas, contrariamente, em diálogo com ela, permite, ao visitante, tecer outros e próprios percursos. Pela espessura semântica, mais que word cloud; pelo vazio da elipse, menos que um atlas mnemosyne , “Sempre fomos modernos!” estabelece um jogo com regras elásticas de remissões entre palavras e imagens, às vezes, de simples ancoragem ou ligação , noutras, estranhas e intempestivas. O visitante é o editor.
Cem anos de Antonio Bandeira; o negro e o descendente de indígena que pintaram o Ceará moderno.
Antropófagos “de vera”, poucos nos traduziram tão afinados com o seu tempo, com o presente, sem enjeitar a memória, a tradição popular, nossa ancestralidade iberoafrotupiguaranisertaneja. Amazonas, a selva, a cidade azul (Fortaleza?) em festa, a “Cidade queimada de sol”, o sol, as fagulhas da fundição do pai; gatos, muitos gatos, coruja e galo, graviola, sapoti, cajus, cangaceiros, rendeiras, as rendas, o alto contraste da xilo, o jogador de futebol... “referências” é pouco! Foram os espinhos de mandacaru com que espetaram a almofada do tempo e teceram seus e novos rendilhados, num gesto de resistência e liberdade; contra toda necropolítica , uma afirmação de vida.
Na peleja de acarear incansávelmente o próprio tempo - pra sempre modernos? -, eles, Aldemir e Bandeira, vão andando à frente e, numa espécie de paródia do anjo Benjaminiano , espiando para trás, pra cá onde nos deixaram, atraem, como ao sol na Praça do Ferreira , “le cri primal” daqui, um grande e rascante coió: iiiiieeeeeêêiii!!!!!
[1]WALDEREDO. Apocalips. Álbum de xilogravura, ANO, Acervo MAUC.
[2]LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.
[3]CÍCERO, Antonio. Ver referência disco Marina Lima.
[4] AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem.
[5] BENJAMIN, Walter. A obra de arte...
[6] ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1982.
[7] Segundo as fontes que referenciaram o Manifesto Atropófago de Oswald Andrade, em 1556, Dom Pero
Fernandes Sardinha, o primeiro bispo do Brasil, naufragou em Alagoas, à época, capitania de
Pernambuco, e foi devorado por Caetés. Ver: VASCONCELLOS, Simão de. Chronica da Companhia de
Jesus de Estado do Brasil (...). Lisboa: Officina de Henrique Valente de Oliveira impressor del Rey N.S.,
1663, Livro I, n.º 46, p. 32. Contudo, o historiador Moacyr Alves Pereira atribui aos Tupinambás o banquete
antropofágico do bispo e mais 97 náufragos. Ver: PEREIRA, Moacyr Soares. A navegação de 1501 ao
Brasil e Américo Vespúcio. Rio de Janeiro: ASA, 1984.
[8] VALÉRY, Paul. Tel Quel I. Paris: Gallimard, 1941.
[9] ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1982.
[10] ANDRADE, Mário de. Macunaíma.
[11] LEÃO, Andréa Borges, SECUNDO, Francisco. 4 Ceará, Lado Moleque: as Letras e a sociogênese do
Humor. ARQUIVOS DO CMD: Dossiê Literatura e Memória Arquivos, Vol. 3 N.2. Ago/Dez 2015.
[12] ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1982.
[13] Café Java, ponto de encontro dos “padeiros” da Padaria Espiritual, movimento literário
cearense que, em 2022, completa 130 anos.
[14] FREUD, Sigmund. O humor. In. FREUD, Sigmund. Obras completas.
[15] SAMAIN, Etienne. As “Mnemosyne(s)” de Aby Warburg: Entre Antropologia, Imagens e Arte.
Revista Poiésis, n 17, p. 29-51, Jul. de 2011.
[16] BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso.
[17] MBENBE, Achile. Necropolítica.
[18] BENJAMIN, Walter. ver referência.
[19] CARVALHO, Gilmar de. O dia em que vaiaram o Sol na praça do Ferreira.
[20] JANOV, Arthur. Le Cri primal.