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A Hora da Estrela

"Sim, minha força está na solidão. Não tenho nem medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite”.

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Rebeca Sousa

*Rebeca Sousa [@herbeca_] é graduanda em Letras Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mãe de pet e frequentadora dos sebos do Benfica :) 

  A hora da estrela foi meu primeiro contato com a autora Clarice Lispector, e a pergunta que eu me fazia era "Por que não li esse livro antes?".

  É um livro genial, profundo e com uma escrita única. É um dos livros mais lindos que já li, com fluxos de consciência, que chega a ser um pouco complexo, mas nada impossível, e, como a própria autora diz: "Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca ou não toca". Enfim, a história me tocou.

  A história da nordestina Macabéa é contada passo a passo por seu autor, o escritor Rodrigo S. M. (um dos alter-egos de Clarice Lispector), de um modo que os leitores acompanhem o seu processo de criação.

  À medida que mostra esta alagoana, órfã de pai e mãe, criada por um tia, sua dificuldade de comunicar-se com os outros, ele [os leitores] conhece um pouco mais da sua própria identidade. A descrição do dia a dia de Macabéa na cidade do Rio de Janeiro como datilógrafa, o namoro com Olímpico de Jesus, seu relacionamento com o patrão e com a colega Glória e o encontro final com a cartomante estão sempre acompanhados por convites constantes ao leitor para ver com o autor de que matéria é feita a vida de um ser humano.

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  No decorrer da narrativa, vamos percebendo que a protagonista não tem grandes ambições, ela só quer sobreviver. Sua única companhia durante as noites é o rádio de pilha de uma de suas colegas com quem divide um apartamento, Maria.

  À noite, quando todas estão dormindo, Macabéa liga e ouve a Rádio Relógio, onde o tempo é marcado por cada tic-tac.

  O que a protagonista mais gosta de ouvir são as notícias que envolvem a cultura, mesmo ela não sabendo o que a palavra cultura significa.Todo dia ela aprende algo com o locutor, aprende mais sobre o mundo e sonha em compartilhar o que sabe com alguém. Por mais que, quase sempre ouça palavras em que ela não sabe o seu significado, Macabéa se sente feliz.

 

“Todas as madrugadas ligava o rádio emprestado por uma colega de moradia, Maria da Penha, ligava bem baixinho para não acordar as outras, ligava invariavelmente para a Rádio Relógio, que dava “hora certa e cultura”, e nenhuma música, só pingava em som gotas que caem – cada gota de minuto que passava. E sobretudo esse canal de rádio aproveitava intervalos entre as tais gotas de minuto para dar anúncios comerciais – ela adorava anúncios. Era rádio perfeita pois também entre os pingos do tempo dava curtos ensinamentos dos quais talvez algum dia viesse a precisar saber. Foi assim que aprendeu que o Imperador Carlos Magno era na terra dele chamado Carolus. Verdade que nunca achara modo de aplicar essa informação. Mas nunca se sabe, quem espera sempre alcança. Ouvira também a informação de que o único animal que não cruza com filho era o cavalo. — Isso, moço, é indecência, disse ela para a rádio.”

 

  A vida parece mudar quando conhece Olímpico, que logo se torna seu namorado. Macabéa se sente realizada e, sobretudo, amada, porque a jovem experimenta esses sentimentos pela primeira vez. Contudo, sente medo de perdê-lo, principalmente nos momentos em que ambos ficam calados um ao lado do outro e nenhum assunto ou conversa surgem.

  O relacionamento dos dois termina quando Olímpico conhece Glória, loira, filha de açougueiro que vinha do Sul, o suficiente para chamar atenção de Olímpico, ao contrário de Macabéa, que para ele, aparentemente sem graça alguma.

“Mas ela já amava tanto que não sabia mais como se livrar dele, estava em desespero de amor.”

 

  Macabéa é descrita pelo narrador-personagem como feia, magra e sem expressão. Às vezes, até como burra, já que muitas palavras e termos são desconhecidos para ela, com as pessoas ao seu redor sempre duvidando de seus questionamentos e incriminando-a de mentirosa e burra. Porém assim como um bebê que nasce e tem curiosidade com o mundo, Macabéa possui esse mesmo desejo, de aprender, de experimentar o amor e entender a cultura.

  Após o fim de seu único e breve relacionamento com Olímpico, a protagonista consulta a cartomante Madama Carlota, (o encontro que marca uma reviravolta na história) mal intencionada, que "descobre a sorte" na vida de Macabéa, que sai feliz do estabelecimento e acabando, por fim sendo atropelada, e ali, naquele momento, acontece a sua "hora de estrela", em que todos ao seu redor passaram a olhar para ela, e a enxergar.

 

“Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes.”

 

  Sua morte pode ser interpretada como uma libertação, tanto para o personagem quanto para o narrador, pois a morte traz consigo a possibilidade de renovação e de transcendência das limitações que, muitas vezes, são impostas pela vida.

  Por fim, percebe-se que Macabéa é uma entre as muitas mulheres nordestinas que saíram do sertão para a cidade. Sozinha em uma grande capital, a personagem exibe uma inocência e ingenuidade que proporciona uma identificação ao leitor. Ela parece não ter consciência de seu próprio sofrimento e, por conta dessa alienação de si, acaba tendo um destino trágico.

  O tema da migração e da miséria do nordeste percorre o romance em paralelo com o desenvolvimento psicológico do narrador e da personagem. Esse livro, com menos de 100 páginas de história, contém um enredo simples, contado com uma narrativa que transpira maestria, Clarice Lispector possui uma maneira única de contar suas histórias. Uma narrativa poética, um pouco subjetiva mas não ao extremo, apenas o suficiente para ser instigante e cativante.

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